Considerações sobre "Mulheres Invisíveis - O viés dos dados em mundo projetado para homens"

Láisa Rebelo
5 min readSep 21, 2023

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O despertar da importância da coleta de dados para projetar um mundo mais inclusivo.

Como o preconceito de gênero impacta na coleta e o uso dos dados contribuem para o enorme desequilíbrio entre as experiências de homens e mulheres na sociedade? É a partir deste questionamento que Perez embarca o público em uma leitura que nos faz pensar nas questões de gênero e nos desperta a ter uma olhar mais crítico acerca da coleta de dados e vieses.

Quando ouvimos falar em patriarcado, muitas vezes o pensamento nos leva às questões menos tangíveis, mas neste livro conseguimos perceber esse mundo masculinizado e patriarcal através das lentes de Perez que nos mostra diversas situações em que as necessidades do corpo feminino e as suas vivências sociais enquanto mulher e mãe, são negligenciadas em diversas tomadas de decisão de projetos, que vão desde o desenvolvimento de políticas públicas, equipamentos de segurança, e até mesmo, na pesquisa farmacêutica.

Perceber que se você não faz parte do padrão você está em desvantagem é um pouco doloroso, afinal, é se ver em um lugar de exclusão.

Ao mesmo tempo, a autora nos atenta para a importância de coletarmos dados sobre todos os grupos que serão impactados pelo desenvolvimento de projetos, dos mais simples aos mais complexos. Ou seja, trazer diversidade para as pesquisas para desenvolvermos um mundo mais inclusivo e amigável.

Aviso de antemão, que para as mulheres, a leitura pode ser um soco no estômago! Afinal, perceber que o mundo não foi projetado pensando em nós e por isso, pode ser um lugar perigoso e pouco amigável é muito triste. Na verdade, todos os demais grupos que enfrentam preconceitos e dificuldades (seja por deficiência, discriminação de gênero, opção sexual, entre outras…) vão conseguir perceber que projetos de espaços, objetos, serviços e políticas públicas ainda não nos atendem porque seus dados não são levados em consideração nas tomas de decisões.

Para os homens, esse livro pode ser uma forma de entender os privilégios que possuem, embora existam recortes de classe, cor, opção sexual, etc, que também diferenciam esse grupo. Isso acontece porque, no geral, a régua do mundo ainda é masculina. Afinal, o mundo foi, e ainda é, projetado, documentado e pensado por uma maioria de homens, especialmente brancos, héteros e do norte global.

Ao longo das 316 páginas Carolina Perez é direta como seu título. Ela expõe uma grande quantidade de exemplos de como o mundo não leva em consideração as necessidades e particularidades das mulheres ao projetar serviços e objetos.

Importante reforçar que a proposta da autora não é atacar homens, e sim chamar atenção para "a lacuna de dados", um termo que ela repete diversas vezes ao longo do texto.

A importância de chamar atenção para essa questão ocorre porque qualquer ser humano que não seja um homem (podemos incluir crianças inclusive neste grupo) vai se deparar com serviços, deslocamentos urbanos, projetos arquitetônicos, automóveis, objetos e até mesmo remédios que não levam em consideração outros grupos que não sejam os homens. O problema dessa "lacuna de dados" está para além do bem-estar das pessoas do sexo feminino, pode impactar na saúde física e mental das mulheres e até mesmo aumentando o risco de morte delas.

O livro é divido em 7 partes: Vida Cotidiana; O Ambiente de Trabalho; O Design; A consulta Médica; Quando as coisas vão mal. Em cada uma dessas partes a autora desdobra em capítulos que vão aprofundar no assunto e com muitos exemplos, referências e dados.

Cada uma dessas partes se desdobram em capítulos que expressam de forma clara e com dados científicos como a cidade, os serviços, os objetos, o transporte, a medicina entre outras vivências não foram ou não são desenvolvidas para as necessidades, contexto e particularidades das mulheres.

No capítulo “Um Mar de Homens” Perez aponta que em um acidente de carro as mulheres têm 41% a mais de chance de se ferir gravemente devido ao projeto dos carros. Isso ocorre porque os carros são projetados a partir de uma corpo padrão masculino, assim como os sistemas de segurança e testes de colisão, que são realizados com bonecos baseados no corpo masculino “padrão” (Página 199).

O maior problema dos carros não serem testados em corpos de mulheres, grávidas e crianças é porque as medidas de segurança como cintos e airbags não funcionam de forma igual para todos os corpos devido as diferenças que existem nas proporções físicas, por exemplo, o tamanho dos seios.

Dessa forma, não se sabe como deveria ser o projeto de um item de segurança igualmente eficaz para ambos. Ou ainda, será que é necessário existir itens diferentes para cada um? No fim das contas, todos corpos que não seguem o padrão masculino ficam em desvantagem.

Outros exemplos mostram como é importante levar em consideração aspectos culturais e os contextos das mulheres para projetar serviços. Sobre cólicas menstruais, ela aponta a falta de estudos sobre remédios que sejam realmente eficazes para essa questão. Além disso, ela fala sobre como em abrigos no Reino Unido é muito mais fácil conseguir um preservativo do que um absorvente menstrual.

No livro ela compara lugares e traz exemplos de diversos lugares do mundo, inclusive do Brasil. Sobre moradia, a autora fala sobre como o programa “Minha Casa Minha Vida” despreza as necessidades das mulheres em termos de localidade e proibições de realizar comércio dentro das casas. A autora traz essas questões e aponta porque prejudica as mulheres, especialmente as mães, e por consequência a família delas.

O foco da autora é as mulheres, e não abordar as diversas possibilidades de gênero não me pareceu uma forma de desprezar nenhum outro grupo porque o texto não se volta para questões como identidade de gênero. Sei que é possível pensar em mundo mais plural que um grupo dividido entre homens e mulheres. Acredito que diversos grupos podem refletir "lacuna de dados", por exemplo, dentro do grupo mulheres existem as mulheres latinas, mulheres pretas, lésbicas, trans e assim por diante.

O fato de Perez chamar atenção para a "lacuna de dados" a partir do recorte das mulheres é um uma das formas de contestar como um grande grupo de seres humanos (no caso as mulheres) é desprezado e não é levado em consideração em projetos triviais e sensíveis. O que Perez traz é a sua perspectiva de mulher, feminista e ativista de questões relacionadas ao gênero.

A importânica desse livro é ser um compilado de exemplos de como a "lacuna de dados" afeta as mulheres e como é necessário projetar cidades, serviços e objetos levando em consideração dados e contextos sobre todos os grupos que são afetados pelo projeto. Além disso, é um convite para aproximar as mulheres da ciência, pela importância de tê-las nesses lugares de decisões para que o mundo possa ser mais inclusivo e amigável com as mulheres.

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Mulheres Invisíveis — O viés dos dados em um mundo projetado para homens | Autora: Carolina Criado Perez
Editora: Intrínseca

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Láisa Rebelo

UX Researcher @GrupoBoticário | Mestre em Design (UnB) - Design, Sociedade e Cultura | UX Design | Consumption | Anthropocene | Utopia | Menstruation