Design no contexto do Antropoceno

Láisa Rebelo
22 min readApr 30, 2021

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Análise sobre o comportamento de consumo de produtos para menstruação

Capa da Apresentação da Defesa do Mestrado em 17 de dezembro de 2020 — Ilustração Mashble India

Este texto é um resumo adaptado da minha dissertação de mestrado, defendida em defendida em 2020. Conto um pouco da pesquisa e do processo de desenvolvimento. Espero ajudar quem esteja iniciando a trajetória acadêmica e para quem adora o tema abordados e pesquisas como um todo.

A pesquisa foi desenvolvida a partir do interesse em abordar os tópicos: design, consumo e questões ambientais. A partir desses três eixos busquei compreender como o design pode reduzir o impacto ambiental do consumo a por meio da mudança de comportamento.

Apresentação da defesa da dissertação de mestrado — Pilares da Pesquisa

Para delimitar qual seria meu objeto e sujeito de pesquisa realizei mapas mentais, brainstorming e discussões em grupo. O mestrado, por si só, é um processo muito solitário, encontrar oportunidades de discutir em grupo a pesquisa é fundamental para enriquecer o processo.

Depois de olhar para fora, e para dentro também, consegui decidir pelos produtos para menstruação. O comportamento de consumo desses produtos vieram primeiro por uma motivação pessoal. Eu já vivi momentos de amor e ódio com esse processo, e também já experimentei diferentes tipos de produto para menstruação.

Notei também que o consumo dessas alternativas reutilizáveis (coletor menstrual, absorvente de pano e a calcinha absorvente) tem ocorrido de forma progressiva. Impulsionadas na internet (especialmente redes sociais) e com um forte discurso sobre as questões ambientais. Noto que, embora os absorventes descartáveis ainda sejam a opção mais popular, essas novas opções estão confrontando o uso de absorventes descartáveis em algumas camadas sociais. Assim encontrei o caminho que contemplava os meus interesses de pesquisa: observar um fenômeno de consumo que poderia estar apontando para um surgimento de comportamento com maior consciência ambiental.

Os métodos de pesquisa para realizar a análise de comportamento de consumo foram:

  • Questionário online via Google Forms;
    (40 participantes)
  • Entrevista em profundidade semi estruturada;
    (com 18 participantes)
  • Análise de conteúdo;
    (comentários extraídos de vídeos no YouTube sobre os produtos).

O contexto da pesquisa no Antropoceno[1] permite trazer complexidade para as questões ambientais. Inclusive, cientistas de diversas áreas da ciência possuem um interesse em comum: nomear a presente época geológica com esse termo. Os seres humanos já demonstraram o seu potencial de agente geológico no planeta. Diversas atividades humanas são responsáveis pelas mudanças rápidas, intensas e irreversíveis provocadas no meio ambiente.

Ray Troll, 2016

Essa visão reforça a complexidade das problemáticas ambientais e consegue ultrapassar as ciências biológicas, geológicas e químicas. O Antropoceno se desdobra , sobretudo nas ciências sociais, como a antropologia, as artes, a filosofia, a economia e política.

Sem apontar para quais atividades e quais humanos contribuem para o cenário do Antropoceno, outros conceitos se desdobram a partir desse termo. A bióloga, feminista e filósofa Donna Haraway é uma das pesquisadoras que propõem diferentes perspectivas, dentre as quais o Capitaloceno, proposto pelo ecologista Jason Moore. No qual o capitalismo é o principal responsável pelas intensas e aceleradas transformações sofridas pelo meio ambiente.

Apresentação da defesa da dissertação de mestrado — Antropoceno

Dentre os possíveis desdobramentos do Antropoceno, faz mais sentido compreender o design no Capitaloceno devido ao caráter das suas contribuições. Enquanto uma atividade feita por e para humanos, o design atua fortemente nas práticas dos consumo.

Importante lembrar que, design é, antes de qualquer coisa, sobre projetar soluções, resolver problemas. Foi a partir dessa perspectiva que o designer sueco e ambientalista Victor Papanek , lançou em 1971, uma obra que ecoa ainda hoje: “Design for The Real World”. Papanek chamou a atenção para a importância do papel do designer em resolver problemas problemas do mundo real. Em uma época em que as questões ambientais ainda eram um tema incipiente, sobretudo no design, ele apontou para a importância de atuação dos designers nas questões ambientais e sociais.

Apresentação da defesa de dissertação de mestrado — Design e Consumo Consciente

As questões ambientais no design surgiram, principalmente, nos processos técnicos, como: reutilização, reciclagem e o desenvolvimento de novos materiais. Na última década o design tem apontado também para a importância de se aproximar dos comportamentos de consumo, hábitos e estilos de vida como forma de reduzir o impacto ambiental. Ann Thorpe é uma das designers pesquisadoras que têm promovido essa visão, ela acredita na possibilidade do design atuar na mudança de hábitos de consumo.

Foi a partir dessas informações que desenvolvi a pergunta norteadora desta pesquisa:

“Se o design contribuiu para as atividades de consumo, qual a sua responsabilidade e o seu papel neste cenário do Antropoceno, que aponta
para as atividades humanas como as principais responsáveis pelas transformações no meio ambiente?”

E assim, defini o meu objetivo da seguinte forma:

Analisar o comportamento de consumo para compreender a atuação
do design nas questões ambientais ao promover a transformação de comportamento de consumo a partir da oferta de produtos reutilizáveis
de baixo impacto ambiental.

Importante destacar que apesar do texto ser linear, as perguntas e os objetivo da pesquisa vão sendo construídos ao longo do seu desenvolvimento. É normal alterar a pergunta e inserir novos objetivos.

Os produtos para menstruação também partiram do interesse em estudar o comportamento de consumo de mulheres. Sendo esse o recorte principal, para conseguir alcançar perfis variados que possuem uma necessidade em consumo.

A partir das hipóteses desenvolvi os objetivos específicos:

Explorar
o potencial de um produto em transformar um comportamento de consumo;

Compreender
como o design contribui para a mudanças de comportamento e
para a quebra de paradigmas de consumo não consciente;

Investigar
o potencial de influência de um produto na mudança de comportamento
de consumo;

Verificar
se os produtos que promovem um consumo consciente estão restritos
a um nicho de mercado;

Essa definição é fundamental para o desenrolar do fio do texto. Com assuntos que podem se ramificar, é importante usar os objetivos como guia para não se estender (e se perder) ao longo da pesquisa. Afinal, existem prazos a serem seguidos.

Ao longo da pesquisa, compreendi que as mulheres possuem um protagonismo nas questões ambientais. O que trouxe ainda mais sentido para a escolha delas enquanto sujeito da pesquisa. A seguir, destaco três mulheres que possuem protagonismo nas discussões ambientais:

Apresentação da defesa da dissertação de mestrado — Protagonismo feminino nas questões ambientais

A bióloga americana Rachel Carson publicou Primavera Silenciosa uma das primeiras denúncias ambientais.

A feminista francesa François d’Eaubonne, aproximou o feminismo das questões ambientais e deu origem ao termo “ecofeminismo”.

A ecologista indiana Vandana Shiva, é uma das principais referências quando se discute a relação das mulheres com os impactos ambientais.

Consumo, Corpo, Mulheres e Menstruação

Na fundamentação teórica desenvolvi os meios eixos de pesquisa: design, consumo e questões ambientais relacionando-os com as delimitações do estudo. Explorei sobre consumo e necessidades, a partir de perspectivas sociológicas, com base em alguns teóricos como: Bauman, Lipovetsky e Serroy, Mary Douglas e Isherwood e McCracken. Conflitei comportamento
de consumo fast com o slow, explorando as problemáticas dessas questões, e também o consumo voltado para as mulheres.

Menstruação

Neste tópico eu fiz um mergulho profundo, abordei sobre a questão biológica e cultural da menstruação. Busquei compreender como os rituais, tabus e mitos sobre a mulher menstruada se relacionam com as escolhas de consumo.

Quando os absorventes descartáveis chegaram ao mercado, um dos seus entraves era o tabu sobre a menstruação. A compra desses itens era motivo de constrangimento, ainda hoje, muitas mulheres revelaram sentir algum desconforto durante a compra. Para contornar essa situação, a Jonhson & Jonhson®, responsável pela marca de absorventes descartáveis Modess® desenvolveu o “cupom de compra silenciosa”:

Cupom de Compra Silenciosa — Fonte: Johnson & Johnson

Como o nome sugere, era possível adquirir o absorvente sem precisar mencionar qualquer palavra, bastava apresentar o cupom para recebê-los.
A intenção era minimizar o constrangimento na compra.

Com a intenção de substituir as alternativas caseiras que as mulheres utilizavam na época, (era comum o uso de paninhos ) os anúncios associavam os absorventes descartáveis a um comportamento mais higiênico.

Propaganda de Modess anos 30 — Propagandas Históricas

No início do século XX a vida moderna vivia um processo de industrialização. Com forte estímulo a substituição de itens reutilizáveis, geralmente caseiros, por opções descartáveis industriais. Esse movimento associava o descarte a um comportamento mais higiênico e moderno.

Propaganda de Modess na década de 1950 — Fonte: Propagandas Históricas

Nos anúncios dos absorventes não havia o uso de palavras como: menstruação ou ao sangue. A finalidade de uso do produto não era citada,
seu uso se associava muito mais a um comportamento e estilo de vida. Sendo descrito somente como um item de higiene da mulher moderna.

Já o coletor menstrual [2], um produto que surgiu com a intenção de resolver um problema das mulheres, trouxe em seu primeiro anúncio um discurso mais direcionado para o seu uso. Além de persuadir as mulheres para essa nova solução, era preciso também ensiná-las a usar.

Anúncio do primeiro coletor menstrual Tass-ette — “Eu encontrei a resposta de um problema antigo como Eva”

A própria desenvolvedora da solução, Leona W. Chalmers, vinculava a sua imagem ao produto e descreveu situações da menstruação como nenhum anúncio havia feito antes. Convencer as mulheres de 1930 a aderirem o item foi um desafio, ela chegou a escrever livros sobre o assunto como “As conquistas do desconforto menstrual”.

Embora o coletor menstrual seja recente no Brasil (a primeira marca nacional a fabricar o produto foi a Inciclo®, em 2010) o item foi desenvolvido há mais tempo, precisamente em 1937.

Apesar de econômico e inovador o coletor menstrual não teve grande
sucesso. Em uma época de exaltação dos itens descartáveis, o coletor reutilizável ia de encontro com o espírito do tempo. Além disso, seu principal concorrente de “produto invisível” eram os tampões. Soluções descartáveis e com aplicadores que dispensavam o contato das mulheres com a sua região íntima.

Na linha do tempo a seguir é possível ver a diferença de tempo entre o lançamento de um produto menstrual nos Estados Unidos, país pioneiro no lançamento desses itens e o Brasil.

Linha do tempo comparativa dos produtos para menstruação entre Estados Unidos e Brasil

Por muito tempo os absorventes descartáveis foram os principais (e muitas vezes a única opção) disponível para as mulheres no Brasil. O absorvente interno, embora já esteja há um bastante tempo por aqui ainda é pouco utilizado. Nota-se também que as propagandas dos itens descartáveis por muito tempo utilizaram metáforas para comercializar o produto.

No segmento de absorventes descartáveis é possível identificar um marco nessa mudança de discurso. Em 2017, a marca de absorventes BodyForm® lançou a campanha #bloodnormal, reconhecida como a primeira propaganda de absorventes a utilizar o líquido vermelho. Nesse anúncio o tabu da menstruação foi questionado de uma forma simples: trouxeram o cotidiano de mulheres menstruadas:

Printscreen da propaganda da BodyForm® — Blood normal

É possível perceber que os anúncios dos produtos menstruais também estão mudando no Brasil. No entanto, esse movimento surgiu inicialmente com os itens reutilizáveis. Com o coletor menstrual, foi preciso anunciar o produto de uma forma mais didática, como fez Leona W. Chalmers. Assim, as brasileiras puderam experimentar uma nova alternativa de produto menstrual e começaram a ver uma nova forma de abordagem sobre o assunto.

Falar sobre a menstruação abertamente, inclusive exibindo líquidos vermelhos que remetem a ideia de sangue menstrual, tem sido o cerne da narrativa dos coletores menstruais e também das calcinhas absorventes. Além disso, existem também o apelo ao consumo consciente e da importância de reduzir a produção de resíduos com o uso de itens reutilizáveis.

Essa nova substituição demonstra como há uma constante mudança no comportamento de consumo que condiz com o zeitgeist. Se antes a modernidade do século XX era o consumo de itens descartáveis como sinônimo de higiene, hoje o consumo consciente e a responsabilidade ambiental são o novo mote.

Com a ocorrência dessa mudança no comportamento de consumo os produtos para menstruação reutilizáveis conseguem ser alternativas higiênicas (devido às tecnologias dos seus materiais, como as calcinhas absorventes) e condizem com o espírito do tempo: minimizam o impacto ambiental com a redução de resíduos e promovem um consumo mais consciente.

Depois de explorar comunidades virtuais, ler comentários em redes sociais sobre os produtos e conversar com mulheres esbocei algumas hipóteses. Identifiquei dois tipos de perfis de comportamento de consumo: tradicional
e disruptivo.

Essas informações surgiram a partir da pesquisa exploratória online e foram validadas com as entrevistas realizadas com as usuárias.

Os métodos de análise utilizados foram:

Análise de conteúdo
Explorei os comentários realizados em vídeos no YouTube sobre os produtos para menstruação e selecionei alguns para analisar o conteúdo. O tema dos vídeos foram, principalmente sobre os coletores menstruais:

Apresentação da defesa da dissertação de mestrado — Análise de Conteúdo

Questionário online
Com 40 respondentes obtive diversas informações que validaram algumas da hipóteses iniciais. Com perguntas abertas e fechadas foi possível coletar informações qualitativas e quantitativas. Questões como: motivações, curiosidade, comportamento de compra, experiências com os itens entre outras.

Apresentação da defesa da dissertação de mestrado — Questionário

Entrevistas em profundidade
Consegui recrutar 18 mulheres para participar dessa etapa. Brasileiras residentes no Distrito Federal, Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco e Goiás com idade entre 22 e 36 anos. Cada entrevista durou cerca de 60 minutos. Algumas acabaram sendo verdadeiras sessões de terapia, com choro e riso.
Foi um desafio elaborar os questionários e conduzir essas entrevistas diante de um assunto que pode acionar gatilhos.

A princípio seriam entrevistas presenciais, no entanto, devido a pandemia ocorreram na internet, via Google Meet. O que pareceu ser um problema no início, devido a possibilidade de enviesar (entrevistar somente mulheres que acessam computador tornou possível alcançar mulheres de diferentes estados e trouxe uma pluralidade nas respostas.

Apresentação da defesa da dissertação de mestrado — Entrevistas em Profundidade

A partir desses três métodos de análise pude cruzar informações, validar hipóteses e obter alguns insights:

Apresentação da defesa da dissertação de mestrado — Dados da pesquisa

O Produto enquanto um problema é sobre como a experiência de uso pode impactar na relação das mulheres com a menstruação. Para a maioria das mulheres que deixaram de usar absorventes descartáveis, especialmente os externos, a menstruação passou a ser mais agradável. Com as novas alternativas, como o coletor e a calcinha, houve um consenso sobre:

“Descobri que a a menstruação não tem cheiro”.

Mudou a minha relação com o meu fluxo, me sinto mais dona da minha menstruação”.

Os absorventes descartáveis foram alvo de queixas sobre: irritação na pele, insegurança em usar certas roupas, impedimento para realizar atividades e constrangimento.

Uma vez que a menstruação é uma questão das mulheres, é natural que elas sejam bastante ativas nas soluções e influências sobre o uso desses produtos.
Elas são as principais responsáveis pelo surgimento e ampliação de acesso a esses itens. Para citar alguns exemplos:

A origem dos absorventes descartáveis decorre do uso de algodões de celulose pelas enfermeiras durante a I Guerra Mundial como alternativa aos paninhos. Com maior poder de absorção elas utilizavam e descartavam, sem necessitar de lavar para reutilizar.

O coletor menstrual ter sido desenvolvido por Leona W. Chalmers. A primeira marca a comercializar os tampões, a Tampax, ter sido liderada por uma mulher.

Ainda hoje mulheres seguem nessa liderança. No Brasil, a Inciclo é liderada por Mariana Betioli, foi ela a responsável por lançar os coletores nacionais.
A Pantys também é liderada por mulheres, Emilly Ewell e Maria Eduarda Camargo.

Essa liderança feminina reforça a importância de mais mulheres ocuparem espaços de inovação, decisões políticas e cargos de liderança. Phelipe Pacey fala sobre como o mundo é masculino justamente por ser projetado por homens. Ocupar esses espaços é trazer diversidade e promover um mundo mais plural para todos.

Por muito tempo a menstruação foi um segredo, o uso de expressões e metáforas “naqueles dias” era um código para falar sobre o assunto. Pude identificar que muitas meninas descobriram o que era a menstruação quando aconteceu a sua menarca. Um assunto que costuma ficar restrito entre as mulheres da família. Muitas revelaram que não costumam falar sobre o assunto perto dos seus pais ou irmãos, e revelaram experiências negativas quando o fizeram.

Dessa forma, a escolha por esse produto costuma vir de uma influência geracional, por isso é possível afirmar que o uso dos absorventes descartáveis é um comportamento de consumo tradicional. Especialmente para as mulheres no Brasil que tiveram a primeira menstruação antes de 2010, porque o absorvente descartável era a única opção disponível no mercado nacional. Por isso, romper com o uso desses itens é uma disrupção de um comportamento de consumo, há uma quebra na tradição.

Análise dos produtos para menstruação

Descartáveis

O absorvente descartável mais utilizado no Brasil são os externos. E, ao mesmo tempo, são também o produto menstrual mais criticado pelas usuárias. Por ter sido a única alternativa durante muito tempo, muitas usuárias revelaram que elas simplesmente aprenderam a conviver com os desconfortos.

O absorvente interno o.b® foi lançado no final da década de 1970 no Brasil. Por muito tempo, eram a única alternativa aos externos. Na mesma época que chegaram ao mercado nacional foram identificados diversos casos de síndrome de choque tóxico provocados pelo uso dos tampões. Por isso, acredita-se que este fato tenha implicado na baixa aderência ao produto entre as brasileiras.

Além disso, a ideia de usar um produto interno ainda costuma provocar desconforto em algumas usuárias. Essa influência pode estar relacionada à influência das mães. Algumas usuárias afirmaram que o uso de absorvente interno era proibido pelas mães. Por ser interno, o produto poderia romper o hímen e “tirar a virgindade” das meninas.

Foi possível identificar que as mulheres que fazem o uso desse produto demonstraram maior interesse em migrar para o coletor menstrual. Ao mesmo tempo, notou-se que algumas recorrem ao absorvente interno como um produto de transição para o coletor menstrual. Uma experiência de teste para se adaptarem ao uso de um item interno.

Apresentação da defesa da dissertação de mestrado — Dados da Pesquisa

Reutilizáveis

Embora ainda sejam recentes no mercado, as alternativas reutilizáveis, que exercem uma grande presença online, estão ganhando cada vez mais novas adeptas. Com a divulgação das marcas ocorrendo nas redes sociais, como o Instagram e o Facebook, elas conseguem ter uma maior interação com as suas consumidoras.

O coletor menstrual é o primeiro produto reutilizável. Embora tenham surgido no final dos anos 1930, foi no início do século XXI que conseguiram o seu apogeu e se estabelecerem no mercado global. No Brasil, a primeira marca a produzir o coletor menstrual foi a Inciclo.

O coletor é o produto mais emblemático entre as novas alternativas porque consegue proporcionar uma experiência totalmente inovadora. Nos grupos de discussão é possível notar que existem muitas dúvidas e curiosidades sobre o seu uso. Eles são os produtos menstruais que despertam amor ou repulsa, as opiniões sobre eles costumam ser extremas.

As usuárias do coletor menstrual revelaram ainda que durante a adaptação elas costumam utilizar um protetor diário (que a maioria chama de carefree, por causa da marca de mesmo nome). Isso ocorre até que elas se sentirem totalmente seguras e confiantes de que não haverá vazamentos.

A calcinha absorvente, também é conhecida como calcinha menstrual ou calcinha coletora (embora sua função seja de absorção), é a inovação mais recente no segmento de produtos menstruais. No Brasil, a primeira marca de calcinhas absorventes foi a Pantys®, que surgiu em meados de 2017. Dentre as alternativas elas despertaram maior interesse.

No Brasil, a maioria das mulheres preferem os absorventes externos, o que implica em um maior interesse por essa alternativa, que oferece uma experiência de uso parecida. O conceito do produto já faz parte do cotidiano delas e não sugere grandes mudanças de adaptação, como o coletor menstrual que é de uso interno. Ao invés de adicionar mais um item durante o período menstrual, a calcinha absorvente é apenas uma calcinha diferente das que elas costumam utilizar.

Enquanto os coletores menstruais conseguem substituir o uso dos absorventes por completo, as calcinhas não conseguem fazer o mesmo com tanta facilidade. A diferença é que um único coletor é capaz de suspender o uso dos absorventes, enquanto as calcinhas demandam uma quantidade média de 4 unidades para vivenciar o ciclo menstrual.

A dificuldade relatada sobre o coletor foi em relação a higienização do item fora de casa. Esvaziar, lavar e higienizar o copinho fora de casa pode ser um empecilho, muitas descobrem depois que o coletor menstrual pode ser utilizado por até 12 horas seguidas. No entanto, isso vai depender do fluxo menstrual de cada uma.

Apesar do grande interesse nas calcinhas, essa opção requer um maior investimento para a substituição completa dos absorventes descartáveis. As mais acessíveis custam em média R$60 enquanto as mais caras R$120. Para vivenciar o ciclo menstrual somente com elas é necessário ter uma quantidade média de 3 a 4 itens para não depender de outros itens. Algumas relataram ainda que a dinâmica de uso (lavar/secar para reutilizar) também é uma dificuldade.

O absorvente reutilizável é o produto de menor aderência e que despertou pouco interesse entre as usuárias. Com o uso similar aos descartáveis, o potencial deste item em relação aos descartáveis é o baixo impacto ambiental e o conforto na região íntima que o tecido proporciona.

As queixas sobre os absorventes de pano são a sensação de volume, a dificuldade para trocá-los fora de casa e o deslocamento do produto durante o uso. Além disso, da mesma forma que as calcinhas, essa opção também requer uma quantidade maior de itens (5 a 6), isso implica em um maior investimento para conseguir a suspensão total de uso dos descartáveis.

Apresentação da defesa da dissertação de mestrado — Dados da Pesquisa

Apesar das diferenças entre as novas alternativas, houve uma unanimidade sobre a sensação de bem-estar. Seja em relação ao uso, pelo maior conforto que conseguem proporcionar, como pela possibilidade de optar por um produto de menor impacto ambiental.

Para as usuárias do coletor menstrual a questão ambiental demonstrou ser a principal motivação para conhecer o produto. O incômodo em relação ao uso de produtos descartáveis incentivou a busca por novas alternativas. Essa é a opção mais acessível para deixar de utilizar os itens descartáveis. No entanto, a sua aderência ocorre somente quando o coletor consegue superar a experiência de uso dos absorventes descartáveis.

Apresentação da defesa da dissertação de mestrado — Dados da Pesquisa

As adeptas das novas alternativas menstruais revelaram ser consumidoras influenciadoras, elas buscam incentivar outras mulheres a conhecerem os novos produtos. Assumir o uso também é uma forma de comunicar aspectos simbólicos sobre si mesma a partir das suas escolhas de consumo. Usuários de itens de baixo impacto ambiental entendem que somente com uma maior quantidade de pessoas aderindo a novos hábitos será possível ter um impacto significativo no meio ambiente.

Com esse assunto em discussão a menstruação tem deixado de ser ser um assunto pontual, muitas vezes mantido em “segredo”, e ganha um status de discussão social e um assunto de saúde da mulher.

Dificuldades para aderir aos produtos reutilizáveis

Apesar do interesse nas novas alternativas foi possível identificar algumas dificuldades em comum:

Apresentação da defesa da dissertação de mestrado — Dados da Pesquisa

Investimento elevado
O preço de uma unidade do coletor menstrual pode variar entre R$100 e R$50 reais. É comum encontrar combos promocionais do produto com 2 unidades. Essas ofertas conseguem tornar o valor mais acessível.

De início, para adquirir o coletor menstrual era necessário encontrar uma revendedora ou através do site. Hoje, com maior popularidade é possível encontrar em farmácias, lojas colaborativas e de produtos hipoalergênicos.

A compensação financeira dos coletores em relação aos absorventes descartáveis ocorre a longo prazo. Com um prazo de válida de 3 anos de duração. Prazo estabelecido pela Anvisa. Antes da certificação, as usuárias falavam em uma duração de 5 até 10 anos dos coletores.

Investir até 10 vezes o valor de um absorvente em um produto desconhecido pode ser uma dificuldade. A aquisição de um produto inovador sem experimentar ou interagir previamente requer um comportamento mais predisposto a experimentar algo inovador. Com o crescimento de usuárias de coletores menstruais, os relatos das experiências tem sido fundamental para conquistar as consumidoras mais tradicionais.

A existência de grupos no Facebook, páginas no Instagram e canais no Youtube como o Papo de copinho sobre os coletores menstruais reforçam que há um senso de sororidade e coletividade entre as mulheres. Elas buscam incentivar o uso dos coletores menstruais tirando dúvidas e compartilhando suas próprias experiências.

Comparando as três alternativas: calcinhas, coletores e absorventes de pano, o melhor custo benefício é o coletor, por bastar uma única unidade e pela durabilidade ser maior que os demais itens.

Além o valor dos produtos, os cuidados específicos, pré e pós uso, também podem ser um motivo para repensarem o uso dessas alternativas.

Necessidade de cuidados:
As calcinhas e os absorventes de pano funcionam da mesma forma, absorvendo o sangue em camadas de tecidos específicas, e por isso, demandam cuidados especiais (lavar/secar) que podem ser difíceis de
serem adaptados à rotina de algumas usuárias.

A higienização do coletor é diferente. Como o próprio nome diz, o produto coleta o sangue. Por isso, é necessário esvaziar e higienizar o item para reutilizá-lo ao longo do ciclo menstrual, basta lavá-lo com sabão neutro. A esterilização na panela ou copo deve ser feita antes e depois do ciclo, não é necessário fazer durante. Embora o esvaziamento possa ser um entrave, é importante lembrar que é possível permanecer com o coletor por até 12h seguidas. Mas, esse período pode variar de acordo com o fluxo de cada uma.

Comportamento de uso dos produtos para menstruação

Com novas alternativas, as usuárias possuem diferentes formas e opção de uso dos produtos para menstruação. Cada item se adapta a uma necessidade e a uma rotina. A importância dessa pluralidade é justamente a possibilidade de atender diferentes grupos.

A tabela a seguir demonstra as possíveis combinações de uso entre os produtos. A migração para os reutilizáveis costuma acontecer em conjunto com os absorventes descartáveis, as motivações costumam ser devido à adaptação ou questões financeiras.

Dentre os reutilizáveis a calcinha foi o item mais citado em uso alternado com os absorventes descartáveis (externos e internos). A maioria citou o valor das calcinhas como dificuldade para fazer o uso exclusivo delas.

O coletor menstrual, quando utilizado com outro item, costuma ser com protetores diário, descartáveis ou reutilizáveis. Esse uso costuma ocorrer somente durante a fase de adaptação.

As usuárias do absorvente descartável externo costumam utilizar os tampões (absorventes internos) como uma alternativa quando precisam utilizar roupas de banho. Sendo utilizado em situações pontuais. Para algumas, nem mesmo nessas situações o ob é uma opção. Elas se privam de algumas atividades.

Insights e mudança de Hábito

Ao perceber o crescimento nesta transição, dos absorventes descartáveis para os itens reutilizáveis, busquei compreender a principal motivação. Afinal, como é possível estimular essa mudança quando o produto descartável sugere maior praticidade? Visto que os itens reutilizáveis demandam cuidados específicos antes e depois do uso.

Qual a motivação?
Apesar de muitas mulheres assumirem o seu interesse em ter um consumo mais consciente, somente o fator ambiental não demonstrou ser uma motivação suficiente para a transição. A experiência de uso dos produtos reutilizáveis superou os descartáveis para maioria. Isso revela que não basta o produto reduzir o impacto ambiental para ser adotado.

O uso de produtos de baixo impacto ambiental influencia em outros comportamentos de consumo?
Alguma usuárias revelaram que o uso de produtos reutilizáveis para menstruação foi o primeiro hábito de consumo consciente que elas adquiriram. E ainda, que a partir essa mudança elas começaram a repensar outros comportamentos.

Por que nem todo mundo conhece os produtos reutilizáveis para menstruação?
Somente duas entrevistadas revelaram não conhecer outras alternativas além dos absorventes. Foi possível perceber que esses novos produtos não estão alcançando todas as mulheres (mesmo aquelas que estão na faixa etária que condiz com idade menstrual). O principal canal de publicidade dessas marcas é as redes sociais, que passam pelo filtro dos algoritmos e determinam o seu público alvo. De acordo com o perfil das participantes que não conhecem os novos itens, é possível perceber que o nicho de mercado desses itens se direciona para mulheres brancas, de classe média e com grau de ensino superior.

Considerações finais

Não existe produto ideal
Cada opção corresponde às complexidades de cada mulher. Isso envolve contexto social, econômico e cultural e preferência pessoal. Apesar de existirem novos produtos para menstruação, muitas mulheres não conseguem arcar com os custos de qualquer item.

Os absorventes descartáveis são taxados em muitos países como produtos de uso não essencial. Políticas públicas em prol da saúde das mulheres, em todo o mundo, inclusive no Brasil, estão reivindicando o acesso a esse produtos, em escolas e postos d saúde. Ter acesso a um produto para menstruação é fundamental, pois tratar-se de um item de necessidade básica, essencial para a saúde e higiene das mulheres.

Do estigma social à questão de saúde pública
Em 2014 a Organização das Nações Unidas — ONU reconheceu o direito à higiene menstrual como questão de direitos humanos e saúde pública.
A ong alemã WASh United promove todo dia 28 de Maio, o #MenstrualHygineDay para dar maior visibilidade para a causa. Ao ser discutida em diversos espaços, a menstruação alcança o status de questão de saúde e cada vez mais rompe a barreira dos estigmas sociais. A importância dessa visibilidade não é apenas para tornar os produtos menstruais acessíveis, mas também para trazer mais dignidade para as mulheres durante os dias de sangramento.

Consumo consciente
Quando se fala em sustentabilidade e impacto ambiental, a maioria relaciona às questões voltadas para a diminuição dos resíduos, a reutilização e a reciclagem. Não consumir na sociedade de consumo, que nos estimula a consumir 24/7, é o caminho mais difícil de seguir.

Por isso, o consumo consciente demonstra ser o meio possível de se ter uma atitude mais positiva em relação ao meio ambiente. Os produtos reutilizáveis para menstruação conseguem proporcionar esse comportamento, ao minimizar os resíduos e prolongar a vida útil de um item de necessidade básica.

Próximas gerações
É possível perceber que a tendência é aumentar o uso dos produtos reutilizáveis para menstruação enquanto diminui-se o uso dos
descartáveis. Isso sugere que, em um futuro próximo, o absorvente descartável deixe de ser a primeira opção apresentada às mulheres no momento da menarca.

O Antropoceno nos fala em catástrofes ambientais que serão prejudiciais para a continuidade da vida humana. O resultado dessas problemáticas ocorrem, principalmente, por causa do comportamento humano. Buscar novos estilos de vida é uma urgência para a humanidade não enfrente tragédias climáticas que dizimem a espécie humana de forma brutal.

A urgência do momento convoca diversas áreas da ciência e do governo a tomarem atitudes que possam, de fato, causar um impacto que possa tornar essa era menos agressiva.

Ter esperança no porvir é a única forma de continuar pensando e projetando novos futuros, mesmo que venham a partir de pequenos produtos, serviços e atitudes. Sigo com Krenak, buscando adiar o fim do mundo.

Palavras-chave: Antropoceno, consumo consciente, design, produtos para menstruação, comportamento de consumo.

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Bibliografia e demais informações você encontra no trabalho integral.
Caso deseje, basta entrar em contato.
Em breve o link do repositório da UnB estará disponível :)

[1] Antropoceno é uma proposta que busca renomear a presente época geológica. Atualmente, a época atual é reconhecida oficialmente como Holoceno pela Comissão Internacional de Estratigrafia (ICS)

O Antropoceno surgiu a partir dos estudos do biólogo Eugene Stoermer, ainda na década de 1980. No entanto, a notoriedade do termo veio somente a partir dos anos 2000, por meio de Paul Crutzen (vencedor do prêmio Nobel da Química em 1995). Umas das primeiras publicações que trouxe a proposta de renomear a presente época geológica surgiu na newsletter da IGBP n.41, publicada em maio de 2000.

[2]Modess® é um exemplo de metonímia. Por ter sido a primeira marca de absorventes no Brasil, durante muito tempo chamam absorventes apenas de Modess.

[3] Coletor menstrual foi desenvolvido pela atriz americana Leona Chalmers, em 1937.

Link para download da dissertação completa: https://repositorio.unb.br/handle/10482/40891

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Láisa Rebelo

UX Researcher @GrupoBoticário | Mestre em Design (UnB) - Design, Sociedade e Cultura | UX Design | Consumption | Anthropocene | Utopia | Menstruation